quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

FILHOTE DE MACUNAÍMA


Qualquer dia da semana
Um coração vazio se enche de amor
Qualquer dia da semana é primavera
E um coração vazio é um copo que enche
De inverno o eterno furor
De viver
Encher nosso copo corpo quente com luz seduz
Num coração com varanda, vista com vista jardim
E tudo isso cabe num barracão
Lua que fura e ilumina zinco quente
Eu e você, nossas roupas comuns
Iluminadas pela mesma luz de um lampião
Já passou, não passou
Um outro sol



Como um filhote de Macunaíma, escolhi o ventre de uma bugra, enamorada de um descendente de escravos, para aportar por estas paragnes. A título de primeiro manifesto comparti as primeiras impressões das terras vermelhas das missões jesuíticas. Embora o gosto pelos afagos de minha cabocla tenha me levado a saborear o leite de suas tetas até os cinco anos de idade, a facilidade para falar e caminhar me afastou do anti-herói andradiano.



Aprendi a correr cedo, e isso provou esranhos delirios em meu pai. Expressão da negritude, tarado por roda de samba, futebol, História Antiga e pela ácidez de Augusto dos Anjos, este boêmio providênciou a semeadura de meu cordão umbilical aos pés da estatua de Pelé, nas Minas Gerais, em Três Corações. Por um tropeço do destino, cresci com averção ao futebol e, ao invés de chuteiras, ganhei a tradução de Os Lusíadas em meu aniversário de sete anos. Assim, desde muito cedo aprendi a guardar os dentes para "as armas e os barões".




Entre uma estrofe dos sambas de meu pai e uma fornada de pães que minha mãe fazia para dar de comer a mim e a meus irmãos, achei tempo para correr. Corri. Pulei cercas, espiei casais se amando nas sangas, comi toneladas de pitangas e romãs roubadas - que são muito mais doces que as compradas, quem já provou bem sabe!




Corri. Corri para pular o muro da escola primaria, de cachorro brabo de sucata, de tiro de sal de capaz de latifundiário. Corri tanto que uma estranha doença me deixou com dificuldade para caminhar por meses. Passei a caminhar.




Caminhei até a Amazonia. Me banhei no Rio Negro e meu primeiro beijo foi nos lábios carnudos de uma índia linda, que já havia beijado todos, menos eu. Decidiram que não seriamos mais padeiros e, assim, da noite para o dia, viramos cozinheiros. Vi os antigos donos da terra embreagados no porto, leprosos, em palafitas, sem borracha, pau-brasil ou ouro.




Era hora de crescer. Alguém, em algum momento, decidiu que eu seria militar. Embora nem a farda nem o fardo tenham caído muito bem sobre meu esqualido corpo, fui morar em um internato para aspirantes a carreiras das armas, em Porto Alegre - uma cidade simpática, no sul de Pindorama.




Assim, convivi parte de minha infância e a adolecência com os pimpolhos da classe média e da burguesia e fui educado por e para a tecnoburocracia tupiniquim. Aprendi a cortar regularmente os cabelos, mastigar com a boca fechada e a ter uma misto de nojo e medo de gente pobre - todos os valores que, enfim, constituem a "dignidade" dos não-pobres.




Estas más companhias e seus hábitos fizeram com que eu procurasse gente mais interessante nas ruas do Bom Fim. Sente em cada mesa de calçada da Venâncio Aires, entre nas portas luminosas da Oswaldo Aranha e tome banho nu no chafariz da Redenção em uma noite de inverno.




Comprei cigarros a volso no Papillon, tomei uma dose de leite de onça no Bar João e caminhei até Santa Maria.



Inventei que seria professor de História. Quatro anos de curso e saí com muitas dúvidas e algumas poucas convicções.

Amo desesperadamente a existência e pessoas que, como eu, não ficam sentadas e lamuriosas por aí, ressentidas e ofendidas com a própria insignificância. Se que não vivo sozinho neste mundo e, por isso, que é possivel contruirmos um tipo de sociedade em que todos tenham garantidas as condições para a realização pessoal, para a felicidade.

Aqueles que acreditam que um outro é possivel são meus companheiros.

Não acredito no Zodíaco e sou um típico aquariano. As mulheres me tratam com bondade e eu não resisto. Me apego com facilidade e vivo intensamente as pequenas coisas do cotidiano. Uma vez, uma mulher que nasce no inverno beijou meus pés e me chamou de Senhor, e eu prometi a mim mesmo que a amaria para sempre em silêncio. Cinco pessoas, extamente cinco, me conhecem para além da superfície das coisas.

Sou, invariavelmente, um poço de anti-patia e arrogância, mas não é necessário muito esforço para perceber que não sou um mosntro e que reluto em preservar a capacidade de me emocionar com as coisas da vida, em me rebelar contra tudo o que pretende me coisificar.

Acho deprimente a obviedade e não me proponho a vivê-la. Ando compenetrado, ingenuamente malandro, em busca de minha muiraquitã.



O que percebo, vivendo, sentindo, é que todo o dia é um dia de grande ironia. Mas a ironia não me impede de ter clareza de quem e porque são meus companheiros e camaradas e de quem e porque são meus opressores.


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